Quem não gosta de arroz-doce? Aqui em casa é uma sobremesa muito apreciada, mas para muitas famílias brasileiras, arroz-doce é sinônimo de Festa Junina.

E quem não gosta de Festa Junina? As fogueiras que aquecem as noites de inverno, barraquinhas, comidas e bebidas, quadrilha, brincadeiras... As festas juninas são patrimônio cultural do Brasil, uma tradição que celebra nossas origens “caipiras”, tão entranhadas no nosso imaginário que a gente quase se esquece de que são festas religiosas.

Mas será que sempre foi assim? As festas juninas vieram para as Américas como festas “de santos”, trazidas pelos colonizadores portugueses e espanhóis, e aqui floresceram e se transformaram em tradição popular. Mas muito antes disso, estas festas eram pagãs. Como em inúmeros outros casos (o Natal, por exemplo), a igreja católica se apropriou de celebrações de antigas sociedades, associando ritos religiosos a datas significativas para os grupos que se queria dominar. No caso das festas juninas, elas coincidem com o solstício de verão no hemisfério norte, e com inúmeras celebrações tradicionais. Edson Veiga (2021) as descreve como “rituais para abençoar o próximo período agrícola e garantir uma colheita farta, caracterizados por fartura e abundância em todos os sentidos, no âmbito alimentar e na relação entre as famílias”.

Essa tradição festiva com muita comida se estendeu até os dias de hoje, atravessou oceanos, atravessou culturas, e hoje celebra o solstício de inverno em diversos países da América do Sul.

Mas e o arroz doce? O arroz doce, ou “arroz com leite” é uma tradição culinária antiquíssima, originária da Ásia, região onde o arroz foi primeiro domesticado. A receita se espalhou pelo mundo através de inúmeras rotas de trocas culturais, e foi sendo adaptada e modificada ao longo dos milênios até chegar à receita que conhecemos hoje ou outras correlatas. Receitas antigas de arroz com leite são conhecidas entre os mongóis, no Irã e no Império Bizantino. Receitas mais semelhantes ao que conhecemos hoje apareceram na cozinha árabe durante a Idade Média, de lá chegaram na Europa, e com os colonizadores foi trazido para as Américas (veja uma história bem completa na Wikipedia em francês).

Atualmente existem diversas variações dessa receita em quase todos os países do mundo. As mais tradicionais levam apenas arroz, leite, açúcar e canela, mas muitas usam outros ingredientes e temperos, como frutas secas, frutas cozidas ou compotas, água de rosas, água de flor de laranjeira, raspas de limão ou outro cítrico, açafrão, cardamomo, baunilha, noz-moscada, erva-doce, anis, lavanda, gengibre, chocolate, rum, conhaque, caramelo, calda de frutas... A Bela Gil abrasileirou a receita e usa folhas de laranjeira e cumaru! – esse ainda preciso experimentar.

Embora a maioria das receitas tradicionais seja feita com leite animal, algumas vezes inclusive fermentado, existem outras ao redor do mundo que já são feitas originalmente com leite vegetal, especialmente de coco e de amêndoas. Eu aqui faço com qualquer leite vegetal, mas gosto mais de usar leites de oleaginosas – castanha de caju ou do pará são meus preferidos.

Geralmente faço uma receita simples, como apresentado, mas algumas vezes gosto de variar as especiarias e o acompanhamento, juntando por exemplo caramelo ou uma calda de frutas, salpicando hortelã picada ao invés da canela, ou fazendo uma infusão forte de chá aromatizado no leite vegetal (p.ex. Orange Jaipur, Orange Windsor ou Earl Grey) antes de juntá-lo ao arroz. Fica sempre uma delícia!