Fermentação de vegetais

INGREDIENTES

  • vegetais
  • sal
  • água filtrada (só para a salmoura)

MODO DE FAZER

 

Salga seca

  • recomendada para folhas, legumes ou frutas que contenham muita água
  • 2% de sal em relação ao peso do vegetal

 

  1. Selecionar vegetais frescos e saudáveis
  2. Picar as folhas em tiras bem finas ou ralar os legumes ou cortá-los em tiras finas
  3. Colocar em uma tigela grande
  4. Juntar o sal
  5. Amassar bem as folhas ou vegetais com as mãos, massageando longamente até diminuir de volume e ficar translúcido e suculento
  6. Transferir os vegetais, com o caldo, para um vidro ou pote adequado
  7. Pressionar bem os vegetais com as mãos ou um pilão à medida que for colocando no vidro – isso faz sair bem o caldo e elimina o ar
  8. Colocar uma folha grande (pode ser dobrada) bem encaixada no diâmetro do pote com um peso por cima ou só um peso bem distribuído sobre a superfície
  9. Fechar o pote
  10. Deixar a preparação à temperatura ambiente por 3-7 dias para fermentar; controlar regularmente
  11. Uma vez fermentado, conservar em local fresco ou se necessário na geladeira por até 1 ano ou mais

 

Salmoura

  • recomendada para vegetais mais secos, em pedaços grandes ou inteiros
  • 2% de sal em relação ao peso do vegetal mais o peso da água

 

  1. Selecionar vegetais frescos e saudáveis
  2. Preparar os legumes inteiros ou cortá-los em pedaços (quanto menores os pedaços, mais rápida e eficiente será a fermentação)
  3. Transferir para um vidro ou pote adequado
  4. Juntar água limpa em quantidade suficiente para cobrir os vegetais
  5. Calcular o peso dos legumes junto com a água
  6. Juntar 2% de sal
  7. Apertar para submergir todos os pedaços
  8. Colocar uma folha grande (pode ser dobrada) bem encaixada no diâmetro do pote com um peso por cima ou só um peso bem distribuído sobre a superfície
  9. Fechar o pote
  10. Deixar a preparação à temperatura ambiente por 5-10 dias para fermentar; controlar regularmente
  11. Uma vez fermentado, conservar em local fresco ou se necessário na geladeira por até 1 ano ou mais

DICA:

  • A salmoura pode ser preparada segundo dois procedimentos: eu recomendo pesar os vegetais mais a água e juntar 2% de sal, mas alguns autores sugerem preparar uma salmoura prévia com 3% de sal (em relação à água) e cobrir os vegetais independente do peso.

 

A fermentação de vegetais é um processo milenar que acompanha a história da humanidade desde tempos imemoriais. Ela é usada para a fabricação de diversos alimentos – pães, bebidas fermentadas (vinho, cerveja, cauim, kombucha...), ‘laticínios’ vegetais (queijos, iogurtes...), temperos (vinagre, shoyu, mostarda...), chocolates, picles e muitos outros. Eu me apaixonei pela fermentação há décadas atrás, e diversos desses fermentados são parte da minha rotina. Aqui é a vez de falar dos “picles”, ou conservas de vegetais.

Hoje em dia, a maior parte dessas conservas são feitas com vinagre, e pouca gente sabe que a forma de preservação tradicional é por fermentação em salmoura – o processo é mais demorado, mas fica mais saboroso e muito mais nutritivo. Além disso, ao falar em “picles” as pessoas logo imaginam pepino, cebola, algumas vezes couve-flor ou cenoura. Mas a verdade é que praticamente qualquer vegetal pode ser fermentado – legumes, verduras, raízes e tubérculos, sementes e grãos, e até frutas.

A fermentação é um processo bioquímico que decorre da alimentação de determinados microorganismos na ausência de oxigênio, principalmente fungos e bactérias. Existem diferentes tipos de fermentação: a alcoólica permite fazer pães, vinhos e cervejas, a láctica produz iogurtes e queijos e a acética, vinagre. A conservação de vegetais se dá por fermentação láctica. Os microorganismos fermentadores são bactérias, que quebram os amidos e açúcares dos vegetais em moléculas de glicose, das quais obtém energia; ao mesmo tempo, outros processos biológicos quebram também as proteínas. Enquanto isso, diversos compostos secundários são produzidos – entre eles, destacam-se o ácido láctico, responsável pela preservação, os ácidos glutâmico (um aminoácido), inosínico e guanílico (que são nucleosídeos), relacionados ao sabor umami, e até centenas de outros compostos aromáticos.

As vantagens da fermentação são inúmeras, a começar pela preservação. Como alimentos fermentados duram muito tempo, isso permite aproveitar a época da colheita (no caso moderno, a estação) e conservar o alimento para tê-lo disponível o ano todo – podendo durar vários anos se conservado em condições adequadas. Outra vantagem é que a fermentação não só retém vitaminas, minerais e enzimas, como inclusive eleva seus teores (especialmente das vitaminas do complexo B e C) e aumenta a biodisponibilidade dos nutrientes. Além disso, ela facilita a digestão, o que se deve em parte à quebra das moléculas complexas, mencionada acima, mas também à ingestão de probióticos, nesse caso as próprias bactérias fermentadoras, que ajudam a equilibrar a microbiota intestinal. Ou seja, comer fermentados faz muito bem à saúde. Mas não é só isso! A fermentação transforma os alimentos, tornando-os mais saborosos. São sabores complexos, cheios de umami, com uma enorme riqueza na paleta gustativa. Sabores tão incríveis, na verdade, que viciam. Um vício que torna sua comida mais saborosa e melhora sua saúde, pode haver melhor? Depois que você começar a fazer, não vai mais querer viver sem eles! E imagina que você vai conseguir tudo isso sem nenhum preservativo ou conservante químico, apenas com sal e paciência...

Um parêntesis: o sal não é indispensável para a fermentação de vegetais; algumas tradições fazem fermentação sem usar sal (como os fermentados de mandioca dos povos originários americanos). No entanto, fermentar com sal é uma técnica mais fácil e mais segura, portanto é sempre bom começar por ela.

O princípio é muito simples. Consiste em imergir os vegetais em água com sal (dependendo do vegetal, utiliza-se a própria água da planta, ou acrescenta-se água limpa), e mantê-los em um ambiente sem oxigênio. O que acontece então é que os fungos e bactérias que estão presentes nos próprios vegetais começam a se desenvolver. Em condições normais isso conduziria ao apodrecimento, mas o sal e a falta de oxigênio inibem o crescimento de fungos/leveduras/bactérias patogênicos, selecionando bactérias e lactobacilos “do bem” que se proliferam e produzem ácido láctico – esse por sua vez retroalimenta o processo, pois ao acidificar o meio também seleciona as bactérias benéficas e inibe microorganismos patogênicos. À medida em que a preparação se torna mais ácida, isso impede totalmente a proliferação de microorganismos – tanto os patógenos quanto os fermentadores. Desse modo, após algum tempo o ambiente se estabiliza e a fermentação é interrompida, permitindo a conservação dos vegetais por muito tempo, mesmo à temperatura ambiente.

Os vegetais fermentados são, em sua melhor definição, alimentos vivos. Eles evoluem no tempo (uma conserva recente não terá o mesmo sabor nem as mesmas propriedades de uma que já foi feita há mais tempo), e cada preparação pode ser diferente da outra, dependendo de diversos fatores. Então experimente, teste diferentes vegetais, diferentes tempos, e vá descobrindo os sabores que mais lhe agradam. É um caminho sem volta!!

 

As duas técnicas básicas para a fermentação de vegetais: a “salga seca”, indicada para a fermentação de folhas ou de legumes e frutas que contenham muita água (podendo ser usada para praticamente qualquer vegetal picado ou ralado), e a “salmoura”, indicada para a fermentação de vegetais mais secos, em pedaços grandes ou inteiros. Depois que dominar a técnica, você verá que pode fermentar os vegetais sozinhos ou fazer combinações diversas. Pode-se também juntar ervas, especiarias e diversos temperos – apenas tome cuidado pois há algumas especiarias que dificultam ou impedem a fermentação, o que pode resultar em um processo mais demorado.

Antes de começar, algumas dicas importantes:

– Não use sal iodado nem com qualquer aditivo ou conservantes químicos, pois eles inibem a atividade microbiana. Prefira sempre o sal marinho.

- Selecione vegetais frescos, e de preferência orgânicos ou agroecológicos (sem veneno!). Para produzir boas conservas você precisa de vegetais saborosos e em bom estado.

– Mantenha sua cultura em anaerobiose (sem oxigênio). Para isso, é importante que os vegetais permaneçam totalmente submersos na salmoura. Caso os vegetais flutuem, eles entram em contato com o ar, e isso pode contaminar a preparação. Então, o ideal é colocar um peso sobre a conserva para mantê-la imersa na salmoura. Existem diferentes técnicas: o mais simples é usar um peso único, como uma pedra, um pratinho, uma placa redonda ou pedrinhas de rio (ao usar pedras, selecione as bem lisinhas e firmes); no entanto se o objeto escolhido não for mais ou menos da largura do pote ou se for muito leve, ele pode ser deslocado pela força da fermentação e/ou pedacinhos de vegetais podem escapar pelos lados e flutuar, entrando em contato com o ar. Uma alternativa seria usar um saco plástico com água, que se ajusta bem ao diâmetro de qualquer recipiente, mas pessoalmente eu procuro evitar o uso de plásticos em geral (pela poluição e pela pegada ecológica), além do que o ambiente ácido da fermentação pode interagir com a matéria plástica, liberando toxinas invisíveis que eu não quero no meu alimento. Por isso geralmente uso uma sequência de “tampas” e pesos – primeiro uma folha grande (repolho, couve ou outra), que pode ou não ser seguida por uma placa de pedra ou um pratinho, e por cima um peso ou pedra maior.

– Use potes apropriados. Pela mesma razão explicada acima, não use plástico! Existem potes de cerâmica específicos para a fermentação, mas esses são de mais difícil acesso por aqui e frequentemente caros. Eu gosto de usar potes de vidro com tampa de fechamento hermético por pressão com borracha de vedação, como é tradição na França. Mas qualquer vidro pode ser usado – ao usar vidros normais, no entanto, é importante não fechar a tampa hermeticamente ou lembrar de abri-los diariamente para liberar o gás carbônico formado durante a fermentação. No entanto, essa prática traz um problema, que é facilitar a contaminação da cultura. Por isso, quem fermenta em grande quantidade frequentemente recomenda o uso de “airlocks” (uma válvula que controla a saída do CO2).

Por outro lado, o tamanho do vidro deve ser adequado ao volume de vegetais a fermentar: nem muito pequeno, pois a fermentação faz aumentar o volume, além de haver produção de CO2, e por isso é importante deixar pelo menos cerca de dois dedos livres abaixo da borda (mais se estiver fazendo em grande quantidade); nem muito grande, pois quanto maior o espaço vazio maior a chance de aparecerem aí microorganismos patogênicos.

– Mantenha uma boa higiene. Você não precisa esterilizar tudo, mas é importante que suas mãos e todos os instrumentos usados na preparação estejam bem limpos (da mesma forma, sempre use uma pinça ou talheres limpos para retirar os fermentados dos potes antes de consumi-los). Eu pessoalmente costumo esterilizar os vidros e as pedras que uso em água fervente durante 5 minutos, mas vários profissionais dizem que isso não é necessário.

– Se mesmo apesar de todos os cuidados, sua conserva se contaminar, não se desespere. Fermentados são extremamente seguros e é raro alguma coisa dar muito errado. Primeiro cuidado: observe. Caso você não veja contaminação nenhuma, seu melhor guia para o controle de qualidade é o olfato: se o cheiro estiver bom, tudo está bem; se tiver cheiro de podre, está impróprio para o consumo. Mas nem sempre você precisa jogar fora e começar de novo. O aparecimento de um filme esbranquiçado na superfície do líquido de fermentação é muito comum (principalmente sob clima quente). Esse filme é formado por leveduras “Kham”, que são inofensivas, mas podem alterar a textura e o gosto dos fermentados. Se isso acontecer, simplesmente retire o filme com uma colher, guarde o pote na geladeira e pode consumir normalmente. Por outro lado, se aparecer mofo, aí sim é perigoso. O mofo geralmente é colorido (verde, azul, cinza, preto, avermelhado...), mas pode ser branco também. Ele geralmente forma blocos ou uma camada espessa, algumas vezes “peluda”. Tem gente que simplesmente retira o mofo e consome o que estiver por baixo, especialmente se odor e sabor não estiverem alterados. O mais prudente, no entanto, é descartar a conserva.

– Tenha uma balança. Há quem recomende acrescentar o sal “no olho”, mas o risco de dar errado é muito grande. Pouco sal, e sua conserva pode se contaminar; sal demais, e ela fica desagradável para o consumo. Seu sucesso será mais garantido na medida em que a proporção de sal em relação aos vegetais seja o mais precisa possível.

– Observe a temperatura. A temperatura ideal de fermentação é entre cerca de 12 e 24 oC. As temperaturas mais altas que frequentemente temos no Brasil não impedem a produção de conservas, mas aceleram o processo de fermentação, por isso acompanhe atentamente. E se você não tiver um local fresco para armazenar seus potes de fermentados por meses à temperatura ambiente, pode ser necessário guardá-los na geladeira.

– Acompanhe o tempo. Diferentes vegetais precisam de tempos diferentes para fermentar. Isso vai depender de diversos fatores, inclusive a temperatura ambiente. As folhas podem ficar prontas em 3-5 dias; legumes mais duros, inteiros ou em pedaços maiores podem precisar de 7-10 dias ou até mais. Controle regularmente e prove para saber se está bom.

– Estude. Esse texto nada mais é do que uma breve introdução à fermentação de vegetais. É importante ler mais e compreender bem os processos envolvidos para ter sucesso. Eu sugiro, em português, o livro do Sandor Katz (“A arte da fermentação”, 2014); em inglês há vários, como o ótimo “Fermented vegetables” (de Kirsten & Christopher Shockey, 2014) ou o “The Noma Guide to Fermentation” (de René Redzepi & David Zilber, 2018). Também existem inúmeros sites na internet; se você lê francês, recomendo “Ni cru ni cuit”, da Marie-Claire Frédéric, e “Révolution Fermentation”, de um grupo canadense, esse último também em inglês. Agora, se você não se sente bem como autodidata, pode procurar um curso. Aqui no Rio de Janeiro temos o Bruno Aguiar, da comunidade Fermentaí, que tem feito um ótimo trabalho divulgando a fermentação.