Criando seu próprio fermento

INGREDIENTES

  • 20 g de farinha de centeio ou trigo integral
  • 20 ml de água pura

MODO DE FAZER

1º dia: Misturar 20 g de farinha de centeio ou trigo integral e 20 ml de água pura (bem filtrada, mineral ou de fonte) em um vidro de boca larga; cobrir com um pano úmido; deixar o pote em um lugar tranquilo, de temperatura amena, seco e sem correntes de ar

– O levain pode ser iniciado com farinha de trigo ou farinha de centeio; na França se aconselha começar sempre com centeio, mas eu fiz os dois e afora algumas diferenças no ritmo de crescimento, o resultado é o mesmo

– Se não tiver balança, considere usar 1 colher de sobremesa ou 1 colher de sopa rasa para medir a farinha e a água

2º dia: Mexer para aerar; umedecer novamente o pano que cobre o pote – a partir daqui, a mistura deve começar a fazer bolhas, inchar ligeiramente e produzir um cheiro desagradável; é o nascimento do fermento (mas isso pode demorar um dia a mais)

3º dia: Acrescentar 20 g de farinha de trigo e 20 ml de água pura; misturar bem; cobrir novamente

4º dia: Mexer delicadamente para aerar – nesse período a atividade do fermento deve aumentar, mas ele pode crescer menos do que no dia anterior ou não crescer; ao final do dia, ele pode ter produzido um líquido escuro na superfície, sinal de que está com fome

5º-7º dia: Alimentar o fermento diariamente a cada 12 horas de acordo com este passo-a-passo:

  1. Separar 20 g do fermento; descartar o restante
  2. Acrescentar 20 g de farinha de trigo e 20 ml de água pura
  3. Misturar bem para aerar
  4. Cobrir com um pano úmido; deixar descansar
  5. Repetir o processo pela manhã e à noite por cerca de três dias

– Ao longo deste processo, o fermento vai perder o mau cheiro e ficar cada vez mais ativo; o tempo de maturação é variável e depende da temperatura ambiente, do tipo de farinha usada e das condições inerentes a cada fermento

8º dia: O fermento deve estar maduro – ele terá um odor ácido característico e estará dobrando ou triplicando de tamanho a cada vez que for alimentado; se ainda não estiver bem ativo, continuar a alimentá-lo uma ou duas vezes por dia por mais alguns dias até que ele esteja bem forte e crescendo bem

8º-10º dia: O fermento está vivo e já pode ser usado – siga a rotina “preparando o levain” para fazer seu primeiro pão. A partir deste ponto, mesmo que vc continue alimentando o fermento diariamente o “descarte” não precisa mais ser jogado fora; acumule-o em um vidro na geladeira e use-o conforme sugerido a seguir

10º-15º dia: Continue mantendo o fermento a temperatura ambiente e alimentando-o a cada 12 ou 24 horas para reforçá-lo (observe seu comportamento para decidir a frequência de alimentação)

Após este período: O fermento deve estar bem forte e se você cuidar bem ele durará toda a sua vida. Se desejar, ele já pode passar a ser conservado em geladeira – siga as rotinas de “conservando o fermento”. Prepare seus pães e seja feliz.

 

  • Para a alimentação, pode usar farinha de trigo integral ou branca; eu prefiro farinha integral, mais nutritiva para o levain e para os humanos; a farinha integral acelera a fermentação e dá ao levain uma estrutura diferente em relação à farinha branca.
  • Durante este processo será necessário e incontornável descartar (jogar fora) uma parte do fermento a cada etapa em que isso é indicado, pois no início do cultivo seu consumo ainda não é seguro – as primeiras bactérias e leveduras que se instalam na colônia podem conter elementos patogênicos. A partir do quarto ou quinto dia a comunidade começa a ser dominada por microorganismos salutares, como os lactobacilos e as leveduras mencionados acima. A partir do sétimo ou oitavo dia você já terá um fermento estabelecido e a partir de então pode (e deve) conservar o seu “descarte” para fazer outras receitas, conforme vou sugerir em seguida (item “Aproveitando o descarte”).
  • Os tempos sugeridos foram estabelecidos para a meia estação (primavera/outono) no Rio de Janeiro; em locais mais quentes ou mais frios, adaptá-los de acordo com o desenvolvimento da fermentação.

 

O primeiro passo na seara da fermentação natural é adquirir um fermento natural (levain). Você pode ganhar um (eu própria comecei assim), comprar (o que eu acho estranho, mas há quem venda) ou fazer o seu.

Criar o seu próprio levain é surpreendentemente simples, e é também um momento muito único. Cria-se um vínculo emocional com ele, mais especial ainda do que com o fermento que a gente ganha. Dizem que é um evento tão marcante que se deve dar um nome para o recém-nascido – ou recém-nascida, não é? Fermento não tem gênero, e em diferentes países é tratado no feminino. Minha primogênita, Koubo ( 酵母 ) – “mãe da fermentação” em japonês –, foi feita e alimentada com farinha de supermercado; sua segunda irmã, Nikoubo ( 二酵母 ), apelidada Niko, é totalmente orgânica desde o início; e agora tenho Mitsukoubo ( みつ酵母 ) – a “mãe da fermentação doce” –, minha caçula, que fiz para ilustrar o passo-a-passo que vou dividir aqui.

Um “fermento natural” é uma colônia de leveduras e bactérias “do bem”. A colônia geralmente é dominada por diversas espécies de lactobacilos, mas pode conter bactérias de outros gêneros (Leuconostoc, Pediococcus, Enterococcus, Streptococcus, Weissella, Lactococcus etc.); as leveduras incluem Saccharomyces cerevisiae e também espécies “selvagens” como Saccharomyces exiguus, Hanensula anomala e Candida tropicalis. Os tipos, espécies e proporções de leveduras e bactérias variam de acordo com o ambiente do local onde o levain é cultivado, e podem inclusive variar ao longo do tempo, por isso cada levain é único, e sempre renovado. O fermento “natural” se diferencia do “biológico” porque este último consiste em uma cultura purificada de Saccharomyces cerevisiae.

O processo de “criar um levain” implica em “capturar” estas bactérias e leveduras, que existem naturalmente na própria farinha e no ar que nos circunda. Quando cultivadas no levain, elas atuam simbioticamente para criar um microambiente favorável ao seu desenvolvimento, mas hostil para outros microorganismos. Por isso, uma vez criado, o fermento se conserva indefinidamente; ele ficará cada vez mais forte à medida que for sendo usado, desde que alimentado corretamente.

Lembre-se que, como em qualquer outro caso, quanto melhor você alimentar seu fermento, mais saudável ele será. Por isso procure sempre usar a melhor farinha e água que tiver. Farinha orgânica ou agroecológica é o ideal, mas nem todo mundo tem acesso. O mais importante é que a farinha seja o mais fresca possível. A farinha tem enzimas e são elas que fazem a quebra inicial do amido, liberando açúcares para alimentar a colônia. Na farinha velha, de baixa qualidade ou que foi mal armazenada ou aquecida, as enzimas são desnaturadas e o amido fica indisponível. Por isso, quanto mais fresca a farinha, mais vigoroso será o seu levain e mais saboroso o pão produzido.

O mesmo vale para a água. Água de fonte é de longe a melhor opção possível, mas pouca gente tem o privilégio de ter acesso a este líquido tão precioso (eu não tenho). Muita gente sugere só usar água mineral, mas na prática é importante lembrar que as águas minerais são sempre embaladas em garrafas plásticas, que além de muito poluentes podem trazer riscos para a saúde. Se armazenadas inadequadamente, águas engarrafadas também podem ficar impróprias para consumo – e isso quando não há adulteração de conteúdo, pois nem toda água dita “mineral” realmente veio de uma fonte natural e contém minerais benéficos à saúde. Por isso a melhor opção, na minha opinião, é água filtrada. De preferência em filtro de barro, que faz uma filtragem lenta com velas de cerâmica (melhor ainda se tiver carvão ativado), e que é o sistema reconhecidamente mais eficiente para retenção de cloro, sedimentos, pesticidas, minerais nocivos e microorganismos.